Pular para o conteúdo

Jornadas de até 15h, múltiplas funções não combinadas e 65,7% sem contribuição previdenciária: a dura rotina das diaristas ignoradas pela legislação e expostas à informalidade no Brasil

Jornadas longas, baixa remuneração e ausência de direitos previdenciários marcam a realidade de diaristas no Brasil, revelando um cenário de informalidade e vulnerabilidade que atinge milhões de mulheres em todo o país.

Relatos de sobrecarga, acúmulo de tarefas e incerteza financeira mostram o cotidiano de milhões de diaristas que atuam como trabalhadoras autônomas no país.

Embora a legislação reconheça o vínculo doméstico quando há trabalho por mais de dois dias na mesma semana para o mesmo empregador, grande parte das contratações permanece fora do regime formal.

Em 2024, 65,7% das trabalhadoras domésticas não contribuíam para a Previdência, o que as deixa sem proteção em caso de doença, maternidade ou aposentadoria.

— ARTIGO CONTINUA ABAIXO —

“Trabalhei em uma casa onde os patrões não tinham tempo para nada e começaram a me sobrecarregar, pedindo que eu fizesse várias tarefas que não estavam combinadas.

Houve dias em que fiquei 15 horas no local (…).

Senti que me tornei uma escrava dentro daquela residência”, relatou uma diarista.

O depoimento não é isolado: a pressão por múltiplas funções em um único dia de serviço e jornadas alongadas aparece recorrentemente nos relatos à reportagem.

Diaristas enfrentam jornadas de até 15h, baixa renda e falta de previdência no Brasil. Entenda os desafios e a luta por direitos.
Diaristas enfrentam jornadas de até 15h, baixa renda e falta de previdência no Brasil. Entenda os desafios e a luta por direitos.

Informalidade em alta e queda nas carteiras assinadas

A formalização do emprego doméstico recuou na última década.

Entre 2015 e 2024, o estoque de vínculos formais caiu 18,1%, o que significa quase 300 mil postos a menos no fim do período.

No 4º trimestre de 2024, apenas 24,4% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico tinham carteira assinada, ou seja, três em cada quatro estavam na informalidade.

Para o presidente do Instituto Doméstica Legal (IDL), Mario Avelino, “a cultura escravagista e patriarcal ainda permanece no trabalho doméstico” e irregularidades continuam sendo cometidas por desconhecimento ou má-fé.

Segundo ele, um erro recorrente é pagar a diarista por mês, quando o acerto correto, no caso de trabalho autônomo, é por diária.

“Ao pagar por mês, a atividade deixa de ser considerada autônoma e passa a configurar vínculo empregatício”, disse.

Caberia às profissionais acionar os órgãos públicos quando houver desrespeito.

Perfil das trabalhadoras domésticas no Brasil

O Brasil tinha 5,9 milhões de pessoas ocupadas com serviços domésticos no 4º trimestre de 2024.

O perfil segue majoritariamente feminino: 93,5% são mulheres.

Há também predominância de mulheres negras, que respondem por cerca de 69% da categoria.

A precariedade aparece na renda.

Em 2024, o rendimento médio das pessoas ocupadas no setor ficou abaixo do salário mínimo vigente à época, e o quadro de proteção social é frágil.

Em junho de 2025, o governo federal apontou que 64,5% das trabalhadoras domésticas recebem menos que um salário mínimo.

Diaristas enfrentam jornadas de até 15h, baixa renda e falta de previdência no Brasil. Entenda os desafios e a luta por direitos.Diaristas enfrentam jornadas de até 15h, baixa renda e falta de previdência no Brasil. Entenda os desafios e a luta por direitos.
Diaristas enfrentam jornadas de até 15h, baixa renda e falta de previdência no Brasil. Entenda os desafios e a luta por direitos.

Pobreza e vulnerabilidade das diaristas

A vulnerabilidade social é elevada.

Em 2023, 26,1% das trabalhadoras domésticas viviam na pobreza ou extrema pobreza, proporção superior à média das mulheres ocupadas.

Entre as negras, os índices eram ainda maiores.

Voz das diaristas: rotina marcada por incertezas

A diarista Alessandra Emygdio, 45, de Niterói, trabalha em três casas e afirma que muitos contratantes evitam formalizar o vínculo por alegarem alto custo.

Ela diz aceitar serviços mesmo por valores abaixo da média para não ficar sem renda: “Eu sinto que preciso ser forte todos os dias.

Não posso adoecer nem me acidentar, porque, se não for trabalhar, não consigo arcar com minhas contas.”

Outra trabalhadora, moradora de São Gonçalo, contou ter ficado quase dois meses sem chamadas: “Entrei em desespero, pois as contas continuavam chegando e meus filhos sentindo fome.”

Para ela, a ausência de vínculo e a sazonalidade das diárias criam uma rotina de incerteza.

Solange Calixto, 47, também de Niterói, lembra que, entre 2020 e 2023, acumulou cuidados com criança, limpeza e cozinha.

Em algumas ocasiões, a jornada chegava a 15 horas.

“Eu me tornei uma escrava dentro dessa casa — fazia de tudo — e, no final, fui jogada fora como um saco de lixo”, disse.

Apesar das dificuldades, ela destaca a educação das filhas como caminho de superação e planeja iniciar graduação em Enfermagem.

Exploração e acúmulo de funções

A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio (STDRJ), Maria Izabel, afirma que combinar previamente as tarefas é essencial para evitar acúmulo de funções.

“Não tem como uma diarista fazer faxina, cozinhar e ainda passar roupas tudo no mesmo dia.

Isso é acúmulo de funções”, afirmou.

Segundo ela, trabalhadoras demitidas como empregadas são muitas vezes recontratadas como diaristas para burlar a legislação.

O que a legislação prevê para diaristas e domésticas

Pela Lei Complementar 150, é empregada doméstica a pessoa que presta serviços de forma contínua e subordinada a uma mesma família em mais de dois dias por semana.

Até esse limite, o entendimento majoritário na Justiça do Trabalho é de que se trata de trabalho autônomo — a diarista.

Assim, quando a prestação ultrapassa dois dias, há vínculo e o registro em carteira passa a ser obrigatório, com todos os direitos da categoria.

Na prática, porém, a linha entre a autonomia e a subordinação pode se confundir, sobretudo quando o pagamento é mensal e as tarefas extrapolam as combinadas para uma diária.

Por isso, especialistas recomendam que as partes definam atividades e padrão de jornada por dia para reduzir disputas.

MEI e contribuição previdenciária: caminhos possíveis

Como autônomas, as diaristas não acessam direitos típicos de quem tem registro, como 13º, férias e FGTS.

Para garantir benefícios previdenciários — aposentadoria por idade, auxílio-doença e salário-maternidade — há duas rotas usuais: registrar-se como Microempreendedora Individual (MEI) ou contribuir como contribuinte individual.

Desde janeiro de 2025, o salário mínimo é de R$ 1.518,00.

No MEI, a contribuição ao INSS é de 5% do mínimo, hoje R$ 75,90 por mês.

Já no plano simplificado do contribuinte individual, a alíquota é de 11% sobre o mínimo; no piso atual, equivale a R$ 166,98 mensais e não dá direito à aposentadoria por tempo de contribuição.

Quem deseja esse direito precisa contribuir pelo plano normal, de 20% sobre o salário de contribuição; no mínimo nacional, isso parte de R$ 303,60 ao mês.

O Ministério do Trabalho reforça a distinção: quem atua até dois dias por semana para a mesma empregadora é trabalhadora autônoma; acima disso, configura-se emprego doméstico com registro e direitos.

Nesses casos, as diaristas que buscam proteção previdenciária devem se inscrever e contribuir como MEI ou contribuintes individuais.

Trabalho essencial, mas invisível

Apesar de comporem quase 6 milhões de postos de trabalho e responderem por cuidados indispensáveis à rotina de milhões de famílias, o emprego doméstico permanece desvalorizado.

A combinação de jornadas fragmentadas, tarefas acumuladas, baixa proteção previdenciária e queda da formalização empurra as diaristas para ciclos de vulnerabilidade e rotatividade.

Enquanto políticas públicas de cuidado não se consolidam e a fiscalização não alcança a prática cotidiana, a proteção efetiva depende, em grande medida, da formalização do vínculo quando devida — ou da contribuição previdenciária regular quando a relação é, de fato, autônoma.

Diante desse cenário, que mudanças na legislação, na fiscalização e nas rotinas de contratação poderiam melhorar a vida de quem cuida dos lares do país?

Acesse aqui todas as Vagas de Empregos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *