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Por que os jovens estão rejeitando vagas formais no varejo? Supermercados mudam estratégia e buscam reservistas, tecnologias e novos canais de contratação

A presença de cerca de 350 mil vagas abertas no setor supermercadista brasileiro contrasta com a crescente dificuldade de contratação registrada em 2025.

Supermercados, historicamente conhecidos como porta de entrada para o primeiro emprego formal de muitos jovens, enfrentam um cenário inédito de escassez de mão de obra, reflexo de mudanças no perfil dos trabalhadores, diminuição do desemprego e popularização de formatos flexíveis e informais de ocupação.

Escassez de mão de obra e mudanças no perfil profissional

De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a busca por alternativas para reverter esse cenário se intensificou nos últimos meses.

— ARTIGO CONTINUA ABAIXO —

Uma das principais apostas do setor foi o estabelecimento de parcerias com o Exército Brasileiro, para atrair jovens recém-egressos do serviço militar obrigatório e direcioná-los para vagas formais em supermercados.

Segundo Márcio Milan, vice-presidente da Abras, o segmento concentra maior déficit de candidatos em funções como repositor, cozinheiro, padeiro, auxiliar de cozinha e operador de caixa.

A estratégia de cooperação com o Exército ocorre em meio a uma mudança significativa na forma de recrutamento.

“Hoje, a empresa precisa ir atrás do trabalhador. Cerca de 80% dos reservistas que concluem o serviço militar conseguem trabalho, principalmente quando fazem cursos de capacitação e se aproximam do comércio”, afirma Milan.

Além do contato com reservistas, redes supermercadistas vêm investindo em novas ferramentas de comunicação, processos seletivos virtuais e feirões de empregabilidade para tentar preencher vagas.

Outro fator destacado por Milan é a redução de programas de qualificação para o setor, que dificulta ainda mais a contratação em áreas especializadas, como padarias e açougues.

Para ele, a diminuição da especialização e a busca crescente por flexibilidade entre os jovens têm acentuado o desafio.

“Os supermercados, durante décadas, supriam suas necessidades com jovens no primeiro emprego. Agora, enfrentamos carência de mão de obra qualificada e precisamos multiplicar as estratégias de atração”, explica.

Benefícios e incentivos para atrair novos trabalhadores

Diante da concorrência com ocupações informais e flexíveis, empresas têm reforçado a divulgação dos benefícios oferecidos aos colaboradores.

Entre os diferenciais estão alimentação no local, assistência odontológica, kit maternidade, seguro de vida, suporte jurídico e psicológico, e até o chamado “birthday off” — um dia de folga no aniversário do funcionário.

Essas iniciativas visam tornar o setor supermercadista mais atrativo frente a outras alternativas disponíveis, sobretudo para a nova geração, que valoriza cada vez mais a qualidade de vida e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Cadastro Único como porta de entrada no varejo

Outra frente importante de atuação é a parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, por meio do programa “Acredita no Primeiro Passo”.

O objetivo é capacitar e inserir pessoas inscritas no Cadastro Único em postos de trabalho formais ou em atividades de empreendedorismo.

Conforme o secretário de Inclusão Socioeconômica do ministério, Luiz Carlos Everton, desde 2023, cerca de 94 mil pessoas do Cadastro Único foram contratadas por supermercados, como resultado de acordos com grandes empresas do setor.

Segundo dados oficiais, aproximadamente 98% das contratações recentes no setor, registradas pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) em 2024, são de pessoas originadas do Cadastro Único.

De acordo com Everton, a multiplicação dessas parcerias com grandes varejistas, estados e municípios tem ampliado a oferta de vagas para trabalhadores com diferentes perfis e níveis de qualificação.

Atualmente, mais de 2,6 milhões de inscritos no Cadastro Único têm nível superior e buscam uma oportunidade formal no mercado de trabalho.

Jovens buscam flexibilidade e propósito

Especialistas apontam que a rejeição das vagas tradicionais por parte dos jovens se deve, principalmente, a uma transformação no perfil desse público e em suas expectativas profissionais.

Segundo Evelyn Rodrigues, head de Gente e Gestão do escritório Paschoini Advogados, a nova geração prioriza flexibilidade, perspectiva de crescimento, propósito e um ambiente de trabalho saudável, além da remuneração.

Ela ressalta que, ao mesmo tempo, há importantes lacunas de qualificação técnica e comportamental entre os trabalhadores em busca de colocação.

Evelyn avalia que a parceria entre supermercados e o Exército pode contribuir para a solução do problema, desde que acompanhada de planejamento, integração e processos de capacitação adequados.

A especialista adverte que a cultura organizacional do varejo difere bastante da vivenciada no serviço militar, exigindo adaptação, onboarding estruturado e escuta ativa para evitar choques de expectativa ou alta rotatividade.

Na análise do economista e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Cícero Pimenteira, a principal barreira está na percepção dos jovens em relação ao trabalho formal e rotineiro.

Segundo ele, muitos preferem atividades como entregas, que proporcionam flexibilidade de horário, enquanto outros só recorrem a empregos em supermercados em situações de necessidade, como para contribuir com a renda familiar.

O especialista também identifica dois perfis distintos: trabalhadores com experiência anterior no mercado formal e jovens que resistem à ideia de rotinas fixas e empregos estáveis.

Novas tecnologias ampliam canais de contratação

Diante desse novo contexto, empresas vêm recorrendo a soluções tecnológicas para ampliar o acesso à mão de obra e flexibilizar processos.

Plataformas digitais, como a Helppi, criada em 2020, ganham espaço ao conectar supermercados e indústrias de bens de consumo a profissionais autônomos.

A ferramenta, presente em doze estados e no Distrito Federal, permite que empresas definam o perfil e as condições das vagas, enquanto os trabalhadores selecionam oportunidades compatíveis com suas habilidades e disponibilidade.

Os profissionais recebem capacitação online e podem ser avaliados pelas empresas após cada experiência, o que contribui para aumentar a segurança e a eficiência do processo seletivo.

A contratação por meio dessas plataformas busca responder ao alto índice de rotatividade, absenteísmo e variações sazonais típicos do varejo.

Além disso, o modelo digital reduz o tempo e o custo do recrutamento tradicional, facilitando a inserção de jovens e de trabalhadores em busca de maior flexibilidade.

Exército investe em empregabilidade de reservistas

O Exército Brasileiro, por meio do Projeto Soldado Cidadão, também tem investido em iniciativas para ampliar a empregabilidade de reservistas, com capacitações alinhadas às demandas do varejo e da indústria.

Em 2025, está prevista a implantação de uma plataforma digital exclusiva para conectar jovens egressos do serviço militar a oportunidades em supermercados e empresas atacadistas, detalhando vagas por estado, cidade e exigências de qualificação.

Para muitos especialistas, a soma dessas estratégias — desde a busca ativa por reservistas, parcerias sociais, ampliação de benefícios e adoção de tecnologia — pode redefinir o papel do setor supermercadista na geração de empregos.

Entretanto, o sucesso dessas iniciativas depende da capacidade das empresas de se adaptar à nova realidade do mercado de trabalho e de compreender as expectativas da juventude brasileira.

Diante de tantas mudanças, será que o setor supermercadista conseguirá reinventar sua relação com os jovens trabalhadores e reconquistar o protagonismo como porta de entrada para o mercado formal?

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