Logo quando os mercados começaram a acreditar que o pior tinha passado na questão tarifária dado o “TACO trade”, Donald Trump provou que na questão da política externa ele não necessariamente “chickens out”.
Não cabe aqui um comentário sobre a decisão de atacar as instalações nucleares do Irã, mas sim o pouco/nenhum impacto que isso teve sobre os mercados até antes da surpreendente declaração de um acordo de cessar-fogo entre os beligerantes.
Uma explicação é que o mercado apostou – corretamente – na pouca capacidade de retaliação do Irã, algo confirmado quando seu lançamento de mísseis contra o Catar foi previamente comunicado previamente aos americanos.
Mas certamente esse “sangue frio” coletivo também é uma evidência de força dos mercados acionários em geral, que depois do cessar-fogo, atingiram novas máximas no ano e novas máximas históricas, no caso da Nasdaq.
Esperamos que o cessar-fogo não seja rompido, e assim podemos voltar a preocupações mais corriqueiras, como a política monetária do Fed.
O peso da coerência
Sem surpresa, o Fed decidiu manter a sua taxa de juros inalterada, mas a decisão não veio sem certo dissenso sobre o que fazer no futuro.
Jay Powell, durante a usual conferência de imprensa depois da reunião, foi perguntado mais de uma vez se o Fed não estava demonstrando incoerência quando o comitê cortou juros depois da eleição do ano passado com o CPI rodando ao redor de 2,9%, mas se recusa a fazer isso agora com o CPI rodando ao redor de 2,4%?
Powell respondeu que o Fed estava projetando uma alta da inflação nos próximos meses devido ao choque tarifário, e que era este risco, junto com a boa saúde da economia, que justificava a decisão de não agir e manter uma política monetária “levemente” restritiva.
Muitos participantes do mercado notaram que Powell normalmente demonstra forte desconfiança em usar incertas previsões econômicas para guiar as decisões do Fed, dando mais peso aos dados concretos (um “data dependency” que muitas vezes o deixa “atrás da curva” e rapidamente pivotando com atraso). As vozes mais críticas o acusam de mostrar nisso um viés contra o atual presidente e sua política econômica.
Para agitar o debate, dois membros do Fed, o bastante influente Christopher Waller e Michelle Bowman, que muitos apontam como uma possível sucessora de Powell, argumentaram que o Fed deveria provavelmente cortar o fed funds na próxima reunião de julho. Para eles, o choque tarifário será bem menor do que esperado, e que já há sinais concretos de desaceleração da atividade econômica.
Por enquanto, Powell parece ter os votos para segurar qualquer queda de juros, mas podemos esperar dissenso na próxima reunião, e se a inflação não subir com a intensidade que Powell e a maioria dos economistas esperam (e na minha opinião não vai subir), é bastante provável que haverá o reinício do ciclo de queda começando na reunião de setembro, e que esse ciclo seja mais prolongado do que é hoje esperado.
O Fed espera, mas as bolsas não
Isso será bom para os mercados de risco? No agregado provavelmente sim, mas vai depender bastante do grau de desaceleração da economia americana.
Em recente relatório, os estrategistas da Goldman Sachs notaram como o mercado acionário americano tem os índices de valuation mais altos do mundo, e que isso também é verdade até quando se retira as “Big Techs” da conta.
Eles calculam que a razão do preço sobre lucros esperados do S&P 500 como um todo é de 21,5x – acima do 90% do percentil histórico. Retirando os “Big Techs” faz a razão cair para 19,8x – também acima do 90% percentil histórico. Para comparação, o índice mundial (que tem mais ou menos 72% de ações americanas) está em 18,2x; ações europeias em 14x; e mercados emergentes em 12,4x. E a China, apesar da recente recuperação, tem uma razão de 11,2x.
Com a economia desacelerando; o Fed de Powell decidindo agir “atrás da curva” em relação ao ciclo; e havendo um questionamento global sobre o “excepcionalismo americano”, onde apesar de a elevação das taxas das Treasuries, o dólar americano continua caindo, o que gera perda para os investidores globais; há de se questionar se as ações do S&P 500 não ligadas às “Big Tech” merecem este tipo de prêmio…
Assim me parece que há algumas claras oportunidades em termos de alocação olhando o resto do ano. Treasuries de 10 anos devem performar bem pela virada do ciclo e o eventual reconhecimento de Powell que o choque tarifário não tem como se transformar em um processo inflacionário com a economia neste estado.
O dólar, com o Fed acionando cortes de juros, deve continuar sua tendência de queda (uma boa notícia para o nosso Banco Central e para a nossa bolsa). E a divergência entre o “Big Tech”, ainda impulsionado pela temática da inteligência artificial, e o resto do mercado, deve se acentuar ainda mais.
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