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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é a principal fonte de imprevisibilidade geopolítica e econômica do mundo atual.
Essa declaração poderia ter saído da boca de uma extensa fila de personalidades rotuladas como “radicais”, mas não.
Quem afirma é o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola.
Em entrevista exclusiva concedida ao Seu Dinheiro no dia seguinte à imposição, por Trump, de uma sobretaxa de 50% às exportações brasileiras para os EUA, o economista diz que ainda é cedo demais para saber se o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC vai precisar elevar a Selic, atualmente em 15% ao ano.
O que já se pode afirmar, segundo ele, é que o Copom terá que manter a taxa básica de juros em níveis bastante restritivos por mais tempo do que se supunha.
“As chances de que os juros caiam mais rápido diminuíram.”
De ex-BC para BC
O fato é que o Copom mantém a porta aberta para agir.
Nesse sentido, Loyola vê o atual presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, empenhado em cumprir seu mandato de levar a inflação rumo à meta sem ceder a eventuais pressões em contrário.
“Galípolo faz um trabalho correto, profissional, bem feito, dentro das possibilidades que tem e transmite as mensagens que precisa transmitir.”
Na situação atual, o que preocupa o ex-banqueiro central é a percepção de risco em relação ao Brasil.
“Ter um contencioso com os Estados Unidos não é uma coisa boa. Pode afetar investimentos. Já não é bom para um país como o Canadá ou para a União Europeia, então imagine para o Brasil, que é um primo pobre”, afirma Loyola.
“Então, temo que ocorra no médio prazo um câmbio mais desvalorizado do que poderia estar, levando a uma pressão adicional sobre os preços que poderia ser evitada.”
Os acontecimentos dos últimos dias também levaram Loyola a fazer, embora de maneira involuntária, uma espécie de “reconstituição de um tiro no pé”, que começou com a declaração de guerra comercial contra o mundo por parte de Trump até chegar às tarifas punitivas contra o Brasil.
Os principais pontos da entrevista você confere a seguir.
O imprevisível Donald Trump
Gustavo Loyola acredita ter bons motivos para rotular Trump como a maior fonte de imprevisibilidade global da atualidade.
Não é só pelo comportamento errático de Trump, o que já seria suficiente para embasar a opinião.
Aos 72 anos, o ex-banqueiro central diz raramente ter percebido um momento tão imprevisível quanto o atual. E Loyola passou por praticamente toda a Guerra Fria, pela Crise dos Mísseis, pelo crash do petróleo, pelo fim do padrão-ouro e pela queda do Muro de Berlim. Isso sem contar hiperinflação, ditadura e redemocratização no Brasil.
Para o economista, o problema maior está no fato de Trump estar à frente de um país com o tamanho e a importância dos EUA no mundo contemporâneo.
“A gente tem Trump, desde seu primeiro mandato, minando toda a estrutura multilateral criada no pós-guerra”, afirma Loyola, que também é diretor-presidente da consultoria Tendências.
A anatomia de um tiro no pé
No início de fevereiro, ainda nos primeiros dias do atual mandato de Trump, o ex-secretário do Tesouro norte-americano Larry Summers qualificou a postura do atual presidente dos EUA como a de alguém que ameaça dar um tiro no próprio pé.
Isso por causa da lógica econômica manifestada pelo atual inquilino da Casa Branca.
Segundo Summers, mais cedo ou mais tarde, a sanha tarifária de Trump tende a resultar em preços mais altos para os consumidores e em insumos mais caros para os produtores norte-americanos.
Mesmo nesse contexto de guerra comercial contra tudo e contra todos, a taxação imposta ao Brasil é inusitada em mais de um sentido.
“Não é só pela falta de justificativa econômica. Historicamente, o Brasil mantém déficits comerciais com os Estados Unidos. Mas é um tiro no pé da própria economia norte-americana. Hoje você tem uma grande integração das cadeias produtivas. Essa tarifa de 50% vai atingir de fato muitos segmentos da economia brasileira, mas também terá efeitos negativos nos Estados Unidos.”
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central
A motivação política de Trump
Para além de ter aplicado ao Brasil as mais altas taxas da atual rodada da guerra comercial, o que mais chamou a atenção — e desencadeou críticas — foi a justificativa de Trump.
As contestáveis queixas comerciais norte-americanas ficaram em segundo plano diante da dimensão explicitamente política das tarifas.
Em carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Trump exige o fim dos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Como se não houvesse separação de poderes no Brasil.
“A gente pode discutir o que pesou mais sobre essas razões políticas. Se foi a questão do Brics e ele escolheu o Brasil para ser o exemplo”, diz Loyola.
No entanto, Trump não menciona o Brics na carta — embora tenha feito, nos últimos dias, ameaças a quem se aliar ao bloco.
O que Loyola considera mais inusitado é a menção a Bolsonaro.
“Bolsonaro está sendo julgado dentro dos parâmetros constitucionais do Brasil. A gente pode até não concordar com as decisões do Supremo [Tribunal Federal], mas ele age dentro da legalidade.”
O que dá outro peso ao comentário de Loyola é uma espécie de distanciamento dos principais atores políticos do momento.
O economista não é identificado nem com Lula nem com Bolsonaro, mas com os pais do Plano Real.
Ele foi presidente do Banco Central sob Itamar Franco, de novembro de 1992 a março de 1993, e sob Fernando Henrique Cardoso, de junho de 1995 a agosto de 1997.
Loyola também chama a atenção para o fato de Donald Trump atacar a democracia brasileira ao mesmo tempo em que os EUA mantêm relações cordiais com diversos países que não respeitam a lei. “Alguns dos quais chegam a assassinar seus inimigos políticos”, afirma.
O economista não cita nominalmente nenhum desses países, mas uma passada de olho por qualquer lista resumida ou ampliada de aliados dos EUA basta para ver que nem tudo rescende a democracia e liberdade.
Trump, anticabo eleitoral?
Outro tiro no pé derivado dessa situação pode estar no potencial impacto eleitoral das tarifas sobre o Brasil.
Se a intenção da Casa Branca era demonstrar apoio a Bolsonaro, o impacto inicial aponta na direção oposta.
A atitude de Trump dá motivo para petistas acusarem bolsonaristas de irem contra os interesses do Brasil.
“É um prato cheio para o governo Lula usar isso contra ele”, afirma.
Ainda falta mais de um ano para as eleições presidenciais de 2026, mas uma eventual permanência das tarifas nos níveis anunciados por Trump pode ser usada pelo governo para reverter a queda de popularidade e enfraquecer a oposição.
Não custa lembrar que, há apenas alguns meses, a ameaça de Trump de anexar o Canadá reverteu o cenário eleitoral na última hora e impediu uma vitória conservadora antes dada como certa.
Um crime…
Embora aliados de Bolsonaro tenham se apressado em acusar Lula, Loyola considera que não se pode culpar o Brasil pelo que está acontecendo.
“Por mais críticas que se possa fazer ao governo brasileiro, a gente não pode tirar de perspectiva o absurdo que Trump está fazendo”, diz ele.
O ex-presidente do BC faz então mais uma observação cujo peso varia de acordo com o mensageiro.
“Não se pode minimizar o trabalho de lesa-pátria executado por bolsonaristas radicados nos Estados Unidos. Está muito claro, amplamente registrado na imprensa, que bolsonaristas, mais precisamente nas figuras de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, estavam fazendo lobby em Washington para criar entraves ao Brasil”, afirma Loyola.

… e uma falha diplomática do Brasil
De qualquer modo, o economista identifica uma falha na atuação do Itamaraty.
Crítico da política externa “ativa e altiva” implementada sob Lula, Loyola diz que no caso atual, a diplomacia brasileira foi muito passiva.
“A gente não usou o poder de lobby que poderia ter”, disse ele.
“Claro que não é um poder muito grande, mas há grandes empresas americanas que compram do Brasil e poderiam nos apoiar. Ao menos a gente não viu um reflexo desse trabalho do Itamaraty. Talvez o governo brasileiro tenha subestimado o que Trump poderia fazer.”
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